domingo, 30 de outubro de 2011

A descartabilidade humana entre Bukowsi e Bauman




PRECISA-SE DE COLHEDORES DE TOMATES EM BAKERSFIELD
"Eu pensava que as colheitadeiras automáticas haviam extinguido esse trabalho. No entanto, ali estava o anúncio. Seres humanos, aparentemente, saem mais barato que máquinas. E máquinas quebram. É isso”. (p. 170)

Em “Factótum”, Charles Bukowski conta a (sua) saga de Henry Chinaski por bicos, pequenos trabalhos, até empregos(!), fazendo de tudo para manter o bucho cheio, alimentar a alma com a bebida, e é claro, escrever. Assim, Buk, para viver seu grande amor (escrever), se depara com a existência de uma condicionante. Uma condição natural que impede a vida, mesmo tendo tempo. Então, é preciso não ter tempo para viver e para aprender a conviver (que significa viver-com). E, para satisfação de uma necessidade natural (o comer condicionante), torna-se necessário o mergulho no mudo capitalista, de submissão a situações, verdadeiramente, humilhantes e degradantes para não se ter tempo a fim de (poder) viver (que coisa não?). É o paradoxo do capitalismo de que fala Zygmunt Bauman, ao comparar o capitalismo como uma cobra que se alimenta do próprio rabo. Ou se é “devorador” ou se é “devorado”, na classificação binária (e realista) de Rosa Luxemburgo. E, nesse meio, é cristalizado o fenômeno da "globalização negativa" (Bauman), que potencializa o (neo)individualismo, enfraquecendo os vínculos humanos e definhando a solidariedade (o fraternité de 1789!) nesse processo parasitário e predatório que se alimenta da energia sugada dos corpos dos próprios indivíduos. Tanto pelo olhar sociológico de Bauman, quanto pelo olhar real-sofrido-literário de Bukowski, nos deparamos na (con)vivência em um completo estado da descartabilidade do humano, da descartabilidade do SER humano, da descartabilidade DE SER humano. Que mundo (é) esse o nosso não?

“Isso era tudo de que um homem necessitava: esperança. Era a falta de esperança que desencorajava um homem. Era de meus dias em Nova Orleans, vivendo de duas barras de caramelo de cinco centavos por dia, ao longo de várias semanas, para ter tempo livre para escrever. Mas passar fome, infelizmente, não melhora a arte. Apenas a obstrui. A alma de um homem está profundamente enraizada em seu estômago. Um homem pode escrever muito melhor após comer um belo pedaço de filé acompanhado de uma dose de uísque do que depois de uma barra de caramelo de um níquel. O mito do artista faminto é um embuste. Uma vez que você percebe que tudo é um embuste, você fica esperto e passa a sangrar e queimar seus semelhantes. Eu ergueria um império sobre as carcaças e vidas destrocadas de homens, mulheres e crianças indefesos – eu os atropelaria. Eu lhes daria uma bela lição!”. (p. 52)

Citações do livro do momento, FACTÓTUM, dele, Buk.

Um comentário:

  1. O "sistema" é autofágico (vide a crise financeira instaurada), nós não deveríamos sê-lo. Se os seres humanos se (pre)ocupassem uns dos outros, não veríamos tanta gente trabalhando em regime de escravidão nas colheitas por aí. E não é preciso ir mto longe, basta subir a serra.
    A questão é 'o que' fazemos com o livre arbítrio.
    Mto bom, Ale!
    Beijos!

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