sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

sábado, 4 de dezembro de 2010

provaremos as ilhas e o mar



sei que em alguma noite
em algum quarto
logo
meus dedos abrirão
caminho
através
de cabelos limpos e
macios

canções como as que nenhuma rádio
toca

toda a tristeza, escarnecendo
em correnteza.


Do livro do mês passado, "O AMOR É UM CÃO DOS DIABOS", de Charles Bukowski.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

todo o processo mental


Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa.


Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Para uma segunda-feira à noite, chuvosa ou não




Almost blue
Almost doing things we used to do
There's a girl here and she's almost you
Almost
All the things that your eyes once promised
I see in hers too
Now your eyes are red from crying

Almost blue
Flirting with this disaster became me
It named me as the fool who only aimed to be

Almost blue
It's almost touching it will almost do
There's a part of me that's always true... always

Not all good things come to an end now, it is only a chosen few
I have seen such an unhappy couple

Almost me

Almost you

Almost blue


"Almost Blue", by CHET BAKER.

domingo, 28 de novembro de 2010

já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo vinho barato debaixo da ponte


você se senta comigo
no sofá
neste noite
nova mulher.

você já viu os
documentários
sobre animais carnívoros?

eles mostram a morte.

e agora me pergunto
que animal entre
nós dois
devorará
primeiro o outro
física e
por fim
espiritualmente?

nós consumimos animais
e então um de nós
consome o outro,
meu amor.

enquanto isso
prefiro que você vá
primeiro e do primeiro jeito

se os gráficos de performance passadas
significarem alguma coisa
eu certamente irei
primeiro e do último
jeito.


Do livro do mês, "O AMOR É UM CÃO DOS DIABOS", de Charles Bukowski.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O amor e seus contratos



Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas,
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
de enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.

Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a perdurar
até o mundo acabar
e mesmo depois - diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.

Experiência de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, Londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.

As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez teu retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recomponho.
São todas - digo tristonho -
feitas de sonho e de vento.
 
Carlos Drummond de Andrade, in "Corpo".


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Viver tem que ser perturbador


Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos, um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo.
Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo.
O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.


Martha Medeiros, in "Divã".

domingo, 21 de novembro de 2010

Dos cuerpos


Dos cuerpos frente a frente
son a veces dos olas
y la noche es oceáno.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces dos piedras
y la noche desierto.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces raíces
en la noche enlazadas.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces navajas
y la noche relámpago.

Dos cuerpos frente a frente
son dos astros que caen
en un cielo vacío.

Octavio Paz, in "Bajo tu clara sombra" (México).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

tríade


A paixão é vivida na irracionalidade.



Já o amor, só pode ser vivido se racionalizado.


AMatzenbacher

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Manha


Homem tem atitudes suspeitas e superstições incontroláveis. Gosta de brigar por mais que desminta e alerte que não suporta discussões. A provocação é uma prova de intimidade. A gente agride apenas quem é capaz de nos perdoar.
Ao contrário do que as mulheres insistem em comentar, o homem não é linear - tentamos preservar essa reputação para não nos complicar. Não fará testes para conferir se é amado ou se é gostoso ou se transa bem ou se vem sendo correspondido, justo porque não aceita o fracasso. Colaria as respostas invertendo a página.
Ele não pergunta toda hora se ela realmente o ama, o que não significa que não é inseguro. Não cria beiço durante o desaforo por pura falta de prática, logo desliza na careta.
Os testes masculinos são de outra ordem. Daquilo que posso chamar de terrorismo psicológico. Quando sua namorada se arruma para sair, por exemplo.
O homem fica enervando, apressado, controlando o tempo, segurando a maçaneta, não é?
A mulher demora uma hora para escolher a roupa após experimentar todas as possíveis combinações da estação outono-inverno. Coloca batom, blush, rimel, seca os cabelos, arruma as dobras do tecido, dança abraçada ao armário, deita, senta, retoma um casaco, troca a saia. E finge não ouvir seu namorado recordando do atraso.
E o homem não cansa de avisar do compromisso em poses ansiosas. De pé na sala, sentado em meia cadeira, debruçado na mesa. Teimando. Arfando.
O exame não é esse jogo previsível de cobrança. Surge na saída, num golpe fatal de paciência.
No momento em que ela confirma que está pronta, ele - que até agora a empurrava para a rua - começará a empurrar de volta ao quarto com estranhas carícias. Com beijos mais longos. Pegará a cintura dela com ardor e firmeza. Fechará a porta com os pés. Ela não compreenderá a mudança de atitude. Poderá lamentar:
- Não estamos atrasados?
- Sim, bem atrasados - ele responderá com uma calma histérica.
A epopeia da produção será desmanchada em segundos. Com a violência implacável dos lábios e a curiosidade indiscreta das mãos.
Se ela deixar, o homem vai concluir que é o mais amado, o mais gostoso, o mais correspondido, e somará os pontos a seu favor de todas as revistas femininas nas bancas daquela semana.
Não que deseje transar naquele instante, de repente nem tem vontade. Ele somente quer testar sua mulher. Homem é ambicioso no amor, diferente do que dizem por aí. Chega a ser ganancioso.
Quer que sua mulher se arrume para ele, e se desarrume e se arrume outra vez. Para cobrar novamente o atraso.

Fabrício Carpinejar, in "Mulher Perdiguiera".

domingo, 7 de novembro de 2010

"Esqueça" um livro em 08/11


Vi no BLOG da Lú (Mil Faces de Luíza) e depois no BLOG da Vanessa (Vem cá Luísa, em dá tua mão...), e, mesmo sendo difícil abrir mão de um bom livro, vou aderir ao movimento. Portanto, aqui em Rondônia, alguém encontrará um livro que "era" meu! 

"Li algo esta semana no blog Tantos Caminhos que achei muito bacana.
A ideia é esquecer um livro amanhã, 08/11, em algum lugar público. Dentro do livro deve constar um bilhetinho, explicando que o livro foi esquecido justamente para que algum leitor encontrasse-o. Após este leitor ler, deve fazer o mesmo - aí é um pouco mais difícil de saber se deu certo...
Palavras da Isa do Tantos Caminhos: 'E aí, o que vocês acham? Topam participar? Então dia 08/11 fica instituído o dia em que um pequeno grupo de pessoas ajudou a levar um pouco de boa leitura as pessoas. Divulguem em seus blogs, fotografem o livro esquecido, façam um post comentando como foi, deixem um comentário nesse post, simplesmente esqueçam o livro. O importante mesmo é que possamos levar um pouco de boa leitura a outras pessoas'.
Eu adorei a ideia e vou aderir. Amanhã alguém há de encontrar um livro meu por aí...
Depois divido com vocês a experiência".
 

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cantiga para não morrer



Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


Ferreira Gullar, in "Dentro da Noite Veloz".

domingo, 31 de outubro de 2010

O preconceito, a verdade e a inocência.


"Ela nos contou o milagre, não o santo". Ângela Vicário, por sua vez, não arredou o pé. Quando o juiz instrutor perguntou, com seu estilo lateral, se sabia quem era o defunto Santiago Nasar, ela lhe respondeu impassível:
- Foi o meu autor.
Assim está no sumário, mas sem qualquer outro detalhe de modo ou lugar. Durante o julgamento, que durou apenas três dias, o promotor pôs o seu maior empenho na inconsistência dessa acusação. Era tal a perplexidade do juiz instrutor ante a falta de provas contra Santiago Nasar que seu bom trabalho parece, por momento, desvirtuado pela desilusão. A folhas 416, de seu próprio punho e letra e com a tinta vermelha do boticário, escreveu uma nota marginal: Dai-me um preconceito e moverei o mundo. Debaixo dessa paráfrase de desânimo, com um traço feliz da mesma tinta de sangue, desenhou um coração atravessado por uma flecha. Para ele, como para os amigos mais próximos de Santiago Nassar, o próprio comportamento do assassinado nas últimas horas foi uma prova cabal de sua inocência.
Na manhã de sua morte, com efeito, Santiago Nasar não tinha tido um só instante de dúvida, embora soubesse muito bem qual seria o preço da injúria que lhe imputavam. Conhecia a índole hipócrita de seu mundo, e devia saber que a natureza humilde dos gêmeos não era capaz de resistir ao escárnio. Ninguém sabia muito bem quem era Bayardo San Román, mas Santiago Nasar conhecia-o o bastante para saber que, sob suas vaidades mundanas, era tão dominado como qualquer outro por seus preconceitos de origem. De maneira que a sua despreocupação consciente teria sido suicida. Além disso, quando soube, afinal, no último instante, que os irmãos Vicário o estavam esperando para matá-lo, sua reação não foi de pânico, como tanto se disse, foi antes a desorientação da inocência.


Do livro do mês, "CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA", de Gabriel García Márquez.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Coragem


O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.


João Guimarães Rosa, in "Grande Sertão Veredas".

sábado, 23 de outubro de 2010

Liberdade condicional



Poderás ir até a esquina
comprar cigarros e voltar
ou mudar-se para a China
- só não podes sair de onde tu estás.


Mario Quintana, in "A Vaca e o Hipogrifo".

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Quem será a vilã? Ou o vilão.


LADY MACBETH - Estava bêbada, aquela esperança de que te revestias? Caiu no sono, a tal? E agora ela se acorda, tão pálida e verdolenga, para examinar o que antes fez com tanta liberalidade? Deste momento em diante, calculo que esteja igualmente doentio o teu amor. Tens medo de ser na própria ação e no valor o mesmo que és em teu desejo? Queres ter aquilo que, por tua estimativa, é o adorno da vida e, no apreço que tens de ti mesmo, levas a vida como um covarde, não é assim? Deixas que o teu "Não me atrevo" fique adiando tua ação até que o teu "Eu quero" aconteça por milagre; como a gata, coitadinha, que queria comer o peixe mas não queria molhar a pata.


William Shakespeare, in "Macbeth".

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O nosso mundo


Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...
E a Vida já não é o rubro infinito
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A Vida, meu Amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor!... As nossas bocas juntas!...


Florbela Espanca, in "Sonetos".

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Feliz Dia das Crianças



Desejo um FELIZ DIA DAS CRIANÇAS a todas aquelas pessoas que, não sendo mais crianças, carregam dentro de si a possibilidade de sonhar o impossível; de se tornar super-herói para salvar o mundo; de conquistar o coração de uma princesa; e se princesa for, que o príncipe encantado derrote o vilão para ficar com ela; de sentir medo no escuro; de fazer coisas bobas; de chorar assistindo um filme infantil; de sorrir e encantar a todos; de fazer apresentações para ninguém; de falar com voz infantil; de ficar de pijama o dia inteiro só assistindo TV e comendo doces; de andar de carrossel; de sentir um frio na barriga no alto da roda-gigante; de brincar por brincar; de adorar tomar banho de chuva, caminhar de pé descalço, fazer dengo, fazer "arte"... E, para homenageá-las, segue o clip da música "Superfantástico" do BALÃO MÁGICO!!!
Abraços e beijos,

AMatzenbacher

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dalí


"O palhaço não sou eu, mas sim esta sociedade monstruosamente cínica e tão ingenuamente inconsciente que joga ao jogo da seriedade para melhor esconder a loucura".


Salvador Dalí

sábado, 9 de outubro de 2010

Encontros desencontrados



Oh, Princesa dos Céus e Rainha dos Infernos!
A intensidade de tuas curvas nada significam
quando os traços de teu rosto formam esse sorriso
aclarado pelo teu olhar negro e penetrante. 

Então, se eras tão doce, como pôdes agir assim?
Após incendiar o meu corpo
copiosamente com o fogo do teu amor?
Como podes negar o que teus olhos imploram efervescentemente?

O ardor daquelas tardes de sol,
na lembrança da chuva que escorria
por detrás da janela do meio-dia
em plena proibição moral.

A hesitação do encontro de nossos corpos
gerava aquela violenta excitação,
que só se esgotava com a devassidão
profunda nas nossas complexas almas.

Quando és Princesa, estou no inferno!
Quando és Rainha, estou nos céus!
E esses encontros desencontrados
irradiam na perseverança da memória.

AMatzenbacher 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Pequenas Mortes


Logo após as minhas pequenas mortes,
uma Sibéria enorme desliza em minha pele:
são os desencontros quando te encontro
- e fecho os olhos
sentindo o teu abraço leve.

Logo após as minhas pequenas mortes,
sou escaleno, escuro, esfera:
ex-fera,
pálido, na caminhada
- e fecho os olhos
implorando os teus afagos.

Logo após as minhas pequenas mortes,
não desejo o momento eterno,
e sim a morte e o tempo,
carcomidos pelo gozo do espanto,
sem prantos ou mungangos,
só encantos
- e fecho os olhos
querendo sempre o fim.

Logo após as minhas pequenas mortes,
uma vontade enorme
- e fecho os olhos
querendo um simples beijo.


Eduardo Pragmácio Filho, in "Oblívio da Ilusão".

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sensações


Eles haviam combinado de se encontrar na praça central da cidadezinha. Nesse dia, tinha uma manifestação, mas não sabiam a razão dela. O fato é que centenas de pessoas estavam nessa praça, balançando suas bandeiras de qualquer cor, algumas crianças tomando sorvete e outras comendo algodão doce, os risos e os sorrisos estavam estampados nas faces das pessoas que ali estavam, e o sentimento de alegria irradiava, gerando um sentimento-inconsciente-de-felicidade-plena.
Ele não sabia que ela já estaria lá, esperando por ele. Que ela teria se antecipado ao horário combinado. Ao passar o portão de entrada da praça (era uma dessas praças parecidas com a Plaza Mayor de Madrid, só que menor), de longe identificou, no canto coberto esquerdo da praça, onde costumeiramente ficavam dispostas as mesas dos dois cafés e um restaurante dessa praça, a mulher. Aquela mulher com aqueles olhos amêndoas, e aquele olhar possível e indizível somente a partir daqueles traços únicos e próprios de uma beleza delirante. Mas esses olhos estavam, fixamente, olhando outros olhos bem a sua frente. Mesmo sem perceber a presença dele ali, chegando na praça, esse olhar dela para o outro se apartou com uma frase, que ele não conseguiu entender. Ele tentou ler aqueles lábios pequenos, macios e sabor d’mel, mas não conseguiu, pois sua visão era lateral.
Ele apertou o passo, cruzou por aquele com quem ela trocava um olhar, olhou friamente nos olhos do outro, dando aquele recado com o olhar nada despretensioso sobre “a quem” pertencia(?) àquela mulher.
Aproximou-se dela, e de pronto a puxou pelos cabelos, na nuca, com uma pegada violentamente sutil, e a faz dar três passos para trás até esbarrar numa coluna logo atrás.
- Estás linda.
- É essa sensação que me deixa assim...
- O que estavas fazendo?  
- Olhando as pessoas.
- Umas mais do que outras?
Pausa para aquele olhar puro (ou mentiroso) e tranqüilizador, ainda com a cabeça inclinada, pois a mão dele ainda segurava seus cabelos e ele continuava a apertando, sutilmente, contra a coluna: - Não há com o quê se preocupar.
Com aquele olhar desconfiado, ainda que minimamente: - Não estou preocupado.
- O quê preciso dizer ou fazer para acreditar que és contigo que quero fugir?
Ele apenas a olha, fixamente, solta os cabelos dela, rendido por aquele olhar e pela forma com que escutava aquelas palavras... Não pensa. Não consegue pensar diante daquela presença inebriante... 
Ela segura o rosto dele, pousando aquelas mãos suaves e delicadas em sua face, olhando e dizendo: - Te quiero.

Ao fundo, o violão flamenco de Paco de Lucía, com a música “Rio Ancho”.

AMatzenbacher

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Deseo


Que la vida no vaya más allá de tus brazos.

Que yo pueda caber con mi verso en tuz brazos,

que tus brazos me ciñan entera y temblorosa

sin que afuera se queden ni mi sol si mi sombra.

Que me sean tus brazos horizonte e camino,

camino breve, y único horizonte de carne:

que la vida no vaya más allá... !Que la muerte

se parezca a esta muerte caliente de tus brazos!...


Dulce María Loynaz, in "Obra Lírica".
(Cuba)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O riso



Feliz é a vã consciência (moral) que condena,

Triste é a insana filosofia que liberta,

Para o outro.

Rir da mesmice é a arma (ir)racional daqueles que se condenam, mas se libertam

AMatzenbacher

terça-feira, 28 de setembro de 2010

inha



Boazinha? Isso é (tudo) o que fazes?

Santinha? Estamos dentro de um templo?

Comportadinha? Começou o culto?

Faça tudo aquilo que disseram para não fazer. Guie-se por sí própria, faça do seu corpo o seu templo, cultue as suas próprias paixões.

Coitados dos castrados! Que fazem somente aquilo que o "código" (pré-)escreve.

Caos na vida!

AMatzenbacher

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

(des)apego



Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranqüilidade e inconstância, pedra e coração.
Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono.
Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser.
Não me limito, não sou cruel comigo!
Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer…
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Igual-Desigual


IGUAL-DESIGUAL

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gázeis, virelais, sextinas e rondós são iguais e
todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamento iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo ser humano é um estranho ímpar.

Carlos Drummond de Andrade, in "A Paixão Medida".

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Meus amores




Entre os amores que eu tenho,
O pingo, a china e o pago
E esta guitarra que trago
Das origens de onde venho
E o poncho, toldo cigano,
Que balanceia nas ancas
Do pingo gateado ruano
Malacara, patas brancas...
No rancho sobre a coxilha
Contemplando a várzea infinda
Tenho a xirua mais linda
Do que flor da maçanilha
Deixo que a lua se estenda
E o mundo fica pequeno
Enquanto bebo o sereno
Nos lábios da minha prenda
Nesta tropeada reiúna
A cãibra do freio é o norte
E apenas bendigo a sorte
Que me deu tanta fortuna
É a sina dos cruzadores
Andar caminhos sem fim
Sou dono dos meus amores
Ninguém é dono de mim...


 
Composição: Jayme Caetano Braun e Luiz Marenco
Música: Luiz Marenco

domingo, 19 de setembro de 2010

Na linha das "tríades"

´

[...]

ELA – Não é uma boa idéia. Não devia ter me seguido até aqui.
ELE – Você se sente culpada? (a resposta vem com um olhar)
ELA – E você? (a resposta é o encontro dos lábios)
A constatação da realidade – O momento da decisão – Os instintos
ELA – Não podemos fazer isso.
ELE – Eu sei.
O desejo – O medo e o resquício de racionalidade – A coragem e a liberdade de sentir   
ELA – Isso não levará a lugar algum.
O céu – A chuva – A terra – Os corpos – A respiração – Os sentidos – O momento avassalador

Diálogo do filme "MATCH POINT" de Woody Allen.

sábado, 18 de setembro de 2010

O Camelo, o Dragão e o Leão

"Providos dos genes de nossos antepassados, recebemos, durante a infância e a adolescência, uma miríade de normas sociais; deveriam elas, por princípio, aprimorar-nos para uma vida superior. Elas o fazem; mas, por caminhos escusos. Pois representam, de acordo com o simbolismo várias vezes empregado por Nietzsche, toda a carga depositada sobre a corcova do pobre camelo, que a carrega a cada dia em maior número, com maior pesar, indiferente aos olhos do seu dono.
Acontece-nos carregar a carga até o dia em que, por qualquer destas indefectíveis forças misteriosas, internas ou externas, nos vemos obrigados a fomar o caminho que não é de ninguém. Deixamos o hábito, a rotina, e seguimos esse caminho algo extasiados, envoltos no odor agradável de uma sonhada liberdade de ser. Ocorre que ainda somos camelos e temos sobre as costas um peso que nos fatiga e não nos permite o mergulho pleno nesta liberdade. Então, conforme Nietzsche, topamos pela frente com um tremendo dragão verde, soltando bolas de fogo pelas nervosas narinas, que nos sacode de nós mesmos num grande e largo susto; este é o momento crítico, pois não há volta: temos que enfrentar, na nossa condição de camelo, o feroz dragão que nos impede, sem qualquer escrúpulo, de prosseguirmos no nosso caminho.
Neste momento, temos duas opções. Ou nos rendemos ao dragão, que nada mais é do que a projeção daquela carga de deveres e obrigações que nos foi imposta desde criança, e então nos tornamos o homem medíocre, ou sacrificamos em todos os versos aquelas normas, o exercício do camelo, símbolo fatídico de nossa vida rotineira, hipócrita e servil. Se somos cavalheiros o suficiente e dotados de coragem solar, transformamo-nos, ao alvorecer, num singular leão de olhos vermelhos, pronto para colocar o dragão sob suas poderosas garras".


Do livro do mês, "O HOMEM MEDÍOCRE", de José Ingenieros.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Estampada


Ai, ai...

Como a Tua Boca é mentirosa!

*E mentiras sinceras me interessam!


*Acrescido pela Érika


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Qualquer coisa



QUALQUER COISA
Caetano Veloso

Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marraqueche
Mexe
Qualquer coisa dentro, doida
Já qualquer coisa doida
Dentro mexe
Não se avexe não
Baião de dois
Deixe de manha, 'xe de manha, pois
Sem essa aranha! Sem essa aranha!
Sem essa, aranha!
Nem a sanha arranha o carro
Nem o sarro arranha a Espanha
Meça: Tamanha!
Meça: Tamanha!
Esse papo seu já tá de manhã.
Berro pelo aterro
Pelo desterro
Berro por seu berro
Pelo seu erro
Quero que você ganhe
Que você me apanhe.
Sou o seu bezerro
Gritando mamãe.
Esse papo meu tá qualquer coisa
E você tá pra lá de Teerã



PS: O Rei dá O recado.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

E o vento levou?


No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são únicas que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo,

um carinho no momento preciso,

o folhear de um livro de poemas,

o cheiro que tinha um dia o próprio vento...


Mário Quintana

sábado, 11 de setembro de 2010

11/09



11 de setembro de 2001

data fu(n)dida na história universal

pelo ataque, fundamentalista (ou terrorista?), de Osama Bin Laden

a um dos Marcos contemporâneos do mundo capitalista e do império norte-americano:

o World Trade Center.

Eu não sou nenhum Marco

sou Alexandre, e não o Grande.

Não fui o rei da Macedônia,

nem o hegemônico da Liga Helênica,

nem o Xá da Pérsia,

e nem nenhum Faraó do Egito.

Mas sou rei, a minha maneira.

Rei da minha própria vida.

Então, em uma comparação (im)possível,

também não sou “World Trade Center”,

nem o avião desesperado(r),

mas sou o piloto do avião,

do avião de hoje,

desse 11 de setembro.

Eu alço vôo para onde quero,

para o destino que escolher(ei).

E agora, escolhi aqui.

Calma.

Meu agir não é terrorista e nem fundamentalista,

não há nenhum marco capitalista ou político a derrubar,

o vôo é apenas para (re)encontrar a provocação que aquele sorriso (me) causa.

 
AMatzenbacher

Saindo do útero paterno


"O Nascimento do Mundo" - Salvador Dalí

[...] Ontem de meio-dia, almoçando com Ivanna e Ianna, prenunciei esse nascimento... Mas, "prematuramente", hoje, 11 de setembro de 2010, na capital federal, em Brasília - DF, do útero racionalmente ilusório que todo homem carrega dentro de si, nasce o BLOG "(in)PERSONAE". O nascimento se dá em razão da curiosidade inside e outside do (ser)humano. Curiosidade pelo "outro". Curiosidade para compreender (e não entender) a persona, que provém, originariamente, do grego personae, que significava máscara. Deixo claro que para mim, o cordão umbilical de "entender" é ligado à razão, enquanto o de "compreender" é ligado à emoção. É óbvio que não atingirei o objetivo agora elencado. Na verdade nem é um objetivo, mas soa como tal, já que a curiosidade colocada como uma direção fica revestida, ainda que (in)diretamente, por uma palavra para dar o norte (ou o sul) daquilo que (não) se pretende. Então afirmo, desde já, que não tenho a pretensão de atingir nenhum objetivo. Muito pelo contrário, não quero atingí-lo, seja pela recusa da palavra "objetivo", seja pela limitação, seja pela impossibilidade de entender aquilo que só se pode compreender (e aqui reside o ponto de gestação).
Então, o quê me interessa? O que interessa é o caminho. O caminho que percorrerei para, quiçá, saciar parte de minha curiosodade, ou apenas tentar saciar essa curiosidade humana-mundana. O que já me basta, pois estarei ca-mi-nhan-do.
Por isso, deixo claro que este não é um BLOG jurídico como o outro que mantenho, "As Ciências Criminais em Debate"  (http://www.profmatzenbacher.blogspot.com/), mas um BLOG que serve a poesia, a arte, a música, a paixão, a literatura, aos devaneios, as (des)ilusões, ao amor, aos sonhos, aos instintos, aos pensamentos, aos impulsos, as emoções, as repulsas, enfim, todas as "coisas" nas quais a racionalidade deve ser deixada de lado. E é exatamente por isso que o nome do BLOG é "(in)PERSONAE": por dentro e/ou por fora da(s) máscara(s). Porque o humano só é ser(-humano) quando está com sua(s) máscara(s). É difícil de acreditar? Pois aqui, fica o úlitmo resquício de racionalidade, porque é verdade.
Há tempos queria fazer um BLOG assim, mais... mais... "humano" ou "poético" por assim dizer. Dá para endender? É que a vida jurídica, embora apaixonante e indivorciável, é incompleta. E para entender algumas coisas, somente é possível a partir do local onde a racionalidade não impera. Ainda que Descartes tenha usado a dúvida hiperbólica do "penso, logo existo" para definir uma certa racionalidade, Antonio Damasio vai além, vai para o "existo, logo penso". E aqui, estou com Damasio, não com Descartes. 
Pois então, gerido, nomeio os padrinhos deste BLOG. O padrinho, é meu amigo-irmão (ou o inverso, já nem sei) Paulo Ferrareze Filho, que há mais de 12 anos sabe-do-que-estamos-a-falar-e-ponto. A madrinha é a Alana. Só que ela não entenderá o porquê, mas talvez compreenda (um dia)!
Boa noite,

AMatzenbacher