quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Evitando a morte?! Quem sabe.


"Fiquei sentado no aeroporto, esperando. Não se pode confiar em fotos. Não dá para saber. Eu estava nervoso. Vontade de vomitar. Acendi um cigarro e tossi. Por que eu tinha que aprontar dessas? Não queria saber dela agora. E Mindy estava vindo lá de Nova York. Eu conhecia uma porção de mulheres. Pra que sempre mais mulheres? O que eu estava tentando fazer? Era excitante um caso novo, mas também dava um trabalhão. O primeiro beijo e a primeira trepada tinham uma certa dramaticidade. As pessoas são interessantes no início. Aos poucos, porém, todos os defeitos e loucuradas botam as manguinhas de fora, é inevitável. Começo a significar cada vez menos pras pessoas, e elas pra mim.
Eu era velho e feio. Velho e feio. Vai ver, é por isso que era tão bom meter nas garotas. Eu era o King Kong. Elas ternas e graciosas criaturas. Será que eu tentava brecar a minha descida para a morte? Será que eu pretendia evitar a velhice, o sentimento de velhice, pelo convívio com mulheres mais jovens? Eu só não queria envelhecer mal, pendurar as chuteiras, me dar por morto antes da morte chegar.
O avião de Mindy chegou e manobrou na pista. Me senti em perigo. As mulheres me conheciam por antecipação por causa dos meus livros. Eu me expunha neles. Por outro lado, eu nada sabia delas. O risco era todo meu. Eu podia ser morto. Eu podia ser capado. Chinaski sem as bolas. Poemas de amor de um eunuco.
Fiquei de pé à esquerda de Mindy. Os passageiros passaram pelo portão.
Opa, tomara que não seja aquela.
Ou aquela.
Especialmente aquela, tomara que não.
Aquela ali seria perfeito! Olha só que pernas, que bunda, que olhos...
Uma delas veio até mim. Tomara que seja ela. Era a melhor de todo o rebanho. Eu não teria tanta sorte. Ela chegou e sorriu.
- Sou Mindy.
- Que bom que você é a Mindy.
- Que bom que você é Chinaski.
- Você tem bagagem pra pegar?
- Tenho. Me preparei para uma longa estadia.
- Vamos esperar no bar".

Ele, BUKOWSKI, in "Mulheres".

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

olhar de um domingo qualquer


Ele estava num shopping  center, na metade da tarde, acompanhado de seus próprios pensamentos sem em nada pensar, só andando até chegar na cafeteria mais próxima para um expresso, quando no meio dessa caminhada, passando pela frente de uma sorveteria, ela o parou. Havia grande movimento, pessoas entrando nas lojas e saindo com sacolas de compras, uma criança corria dos pais para encontrar uma tia, outra para entrar na loja de brinquedos, pais na cafeteria, casais seguiam de mãos dadas para o cinema, crianças brincando no playcenter, um avô lendo o jornal, adolescentes tomando sorvete, um casal de idosos conversando, um casal de jovens namorados selava a fidelidade com um beijo, o segurança observada a tudo atenta e pacificamente, afinal era domingo, e os seres humanos geralmente não demonstram preocupações aos dias subsequentes aos sábados, queriam apenas deixar as horas passar ou simplesmente aproveitá-las. E com tantos estabelecimentos que tem dentro de um shopping center, com tantas milhares de pessoas que circulam diariamente por ali, entre tantas horas de funcionamento todos os dias da semana, os caminhos deles se cruzaram. E essas ruas já tinham se tocado antes, com rápidas e simples trocas de olhares sem palavras... Mas neste dia, não foi que ele simplesmente a viu, ou que ela simplesmente o tenha visto. Não foi nada disso que os expectadores conseguiram captar, porque não foi uma simples visão de uma linda mulher, assim como não foi um simples passar de olhos interessado dela por ele. Não foi uma encarada recíproca. E também não foi um mero cruzar de olhares. Foi o encontro. O encontro do olhar. O olhar contido dentro do ver. Aquele olhar forte e penetrante que aproxima, que despe a atração guardada, que declara a pura vontade de se coonhecerem e a nudez do querer. Ela o olhou direta e profundamente nos olhos, e só nos olhos, e ele também, somente a olhou nos olhos, selando o encontro e revelando aquela intensidade da surpresa tão agradável que contém num desses momentos. Segundos. Eternidade. Lembrança que não sai, mas fica. Sentir que dá razão ao sorrir. Finalmente, eles estavam ali, juntos. E de repente, não mais do que de repente, abaixando a cabeça como a espada de um guerreiro pronto para atacar, ela encerrou o encontro, criando o desencontro. Um outro alguém lhe segurou a mão...

AMatzenbacher

PS: De fundo, o solo da música “lovesong” by Adele.

sábado, 24 de setembro de 2011

Poemeto Erótico

Salvador Dalí

Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...
Teu corpo branco e macio
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...
Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...
Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...
É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...
Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

por MANUEL BANDEIRA.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

adorável canalha


É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: "CANALHA"!
Ser chamdo de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.
Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa.
Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo.
Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único.
Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.
O canalha. COmo um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".
Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-caratismo indelével, ou de cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha de índole egoísta e aproveitadora.
Eu me arrepio ao escutar canalha. Nem perca tempo consultando o Aurélio e o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.
É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam, Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.
Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.
Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha.

Do livro do momento, "Canalha", de FABRICIO CARPINEJAR.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O OLHO: a totalidade da limitação



"O olho vê o mundo, e o que falta ao mundo para ser quadro, e o que falta ao quadro para ser ele mesmo, e, na palheta, a cor que o quadro aguarda; e, uma vez feito, vê o quadro que responde a todas essas faltas, e vê os quadros dos outros, as respostas outras e outras faltas. É tão impossível fazer um inventário limitativo do visível quanto dos usos possíveis de uma língua, ou apenas do seu vocabulário e dos seus estilos. Instrumento que se move por si mesmo, meio que inventa seus próprios fins, o olho é aquilo que foi comovido por um certo impacto do mundo, e o restitui ao visível pelos traços da mão".

MAURICE MERLEAU-PONTY, in "O Olho e o Espírito".

domingo, 11 de setembro de 2011

ANIVERSÁRIO DESTE BLOG: 1 ano


Já que se o poeta francês VICTOR-MARIE HUGO estivesse vivo ele falaria que "comer é uma necessidade do estômago, enquanto beber é uma necessidade da alma", venho CONVIDAR a todos os amigos e amigas, seguidores e seguidoras, interessadas e desinteressados, curiosos e xeretas, que passam por aqui diariamente, semanalmente, mensalmente, trimestralmente, semestralmente ou anualmente, A BEBER!
Isso mesmo, a beber vivências e se embriagar com os sentimentos (confusos ou não) diante das situações e momentos que essa aventura que é viver nos oportuniza, seja degustando palavras, vendo músicas, ouvindo perfumes, cheirando arte, ou no (eterno) embate com a(o) outra(o).
Então, já que não é possível reuní-los em um mesmo espaço ao mesmo tempo, brindo com todos vocês no primeiro aniversário deste BLOG, que nasceu do útero paterno da (in)consciência há um ano atrás.  Brindo, expressa e especialmente com Paulo Ferrareze Filho, Lú, Fernanda Barcellos, Érica, Michele Santti, Andréa Beherengaray, Amanda Lemos, Lolita, Cris, Juliana Carioni, Elisabete Lira, Vanessa Souza Moraes, Lorenna’Lopes, Jr.Fraga, Sara Melyssa, Jannyfer Teixeira, Long Haired Lady, Cristina Lira, Callie, Sabrine Gonçalves, Cátia, Beautiful Battefly Woman, Maria Rita, Fernand’s, Bibiana Benites, Dja, Aline Carla, Malu, Grazielly AB, Evandro Mezadri, Jorge Manuel Brasil Mesquita, Prof. Danielle Prestes De Bortoli, Priscila Yumiko Sakamoto e Diego Vasconcelos.
Um brinde a nós, e àqueles que sabem que possuem suas próprias máscaras.
Beijos a todos,

AMatzenbacher

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SINCRONICIDADE



PRIMEIRO ATO: o questionamento.

Quantas vezes nos deparamos com determinadas situações, envolvendo ninguéns (des)interessados, alguéns (des)conhecidos, que por algum "q", sem qualquer evidência ou certeza a priori, simplesmente nos marcam?

SEGUNDO ATO: o conceito.

SINCRONICIDADE. Jung disse que o "fenômeno da sincronicidade é constituído, portanto, de dois fatores 1) Uma imagem inconsciente alcança a consciência de maneira direta (literalmente) ou indireta (simbolizada ou sugerida) sob a forma de sonho, associação ou premonição 2) Uma situação objetiva coincide com este conteúdo" (JUNG, C.G. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 25).

TERCEIRO ATO: o encontro d'ela com ele.

Há um lapso temporal atrás, ela surgiu, radiante. Radiante. Não tem outra palavra que possa descrever aquela graciosidade em forma de ser humano. Ab initio, ele sentiu que aquele "secreto de sus ojos" escondiam, ao passo que também desnudavam, uma missão fundamental

QUARTO ATO: o (des)encontro d'ele com ela.

"Te levarei no aeroporto" estava no sms que ele recebeu. Os ponteiros do relógio passaram... chamar um táxi se fez necessário para não correr o risco dele perder o voo de volta. Ainda pensou: despedidas em aeroportos, portos, estações ferroviárias, estações rodoviárias, são muito emocionantes. Doce ilusão, esperar que despedidas podem ser somente boas ou más, pois elas traduzem um estado do espírito em que, maniqueísticamente, não é possível dar fim. 
Ele não queria nada além daquele sorriso. Além daqueles olhos olhando para ele, harmonizando com a formação na face aquela dança que É o sorriso dela. Mas a flecha (ou não), implacável, impediu que o momento desse encontro se concretizasse. 
Ele sentira o vento invadindo os espaços e o levando dali. 
Ele já previra esse desfecho. 
Mas ele também sabia (não se sabe como) que, se a encontrasse novamente, a (doce) ilusão anterior se transformaria em realidade presente, em tempo verossímil, em sentir vivido.

QUINTO ATO: a perfectibilização do conceito.

Uma translação após, numa quinta-feira qualquer, o embate. E a situação objetiva, no sótão daquele restaurante, coincidiu com o conteúdo inconsciente de maneira direta. Só isso. Nada mais do que isso. Tudo isso. E o sorriso permanece, aqui, e ali. 

SIN-CRO-NI-CI-DA-DE.

SEXTO ATO: o nada e o tudo.

"O 'nada' é, evidentemente, o 'sentido' ou a 'finalidade', e chama-se nada justamente porque em si ele não aparece no mundo dos sentidos, mas é apenas o seu organizador" (JUNG, Sincronicidade, 1971, p. 55).

SÉTIMO ATO: o cara.

O Paulinho [(www.entrehermes.blogspot.com) padrinho do meu BLOG] é foda, porque me  presenteou com essa obra quando estive em Bal. Camboriú no início do mês passado para uma palestra, e me apresentou , definitivamente, para o tal de Jung. E esse "TAO" aí tem razão. E como tem. Foda também.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

(auto)parir



"O homem não pode permanecer criança para sempre; ele precisa sair finalmente para a 'vida hostil'".


Do livro do momento, "O FUTURO DE UMA ILUSÃO" de Freud.

sábado, 3 de setembro de 2011

somente o tempo...


CREONTE - Mas não! Procura entender o meu caso. Reflete primeito nisto: acreditas que alguém preferiria reinar no temor constante em vez de dormir tranquilo desfrutando do mesmo poder? Não nasci com o desejo de ser rei, mas sim de viver como um rei. E assim todo aquele dotado de razão. Hoje, obtenho tudo de ti, sem que me custe nenhum temor: se eu mesmo reinasse, quantas coisas teria de fazer contra a minha vontade! Como então eu poderia achar o trono preferível a um poder, a uma autoridade que não me traz nenhuma preocupação? Não me iludo a ponto de desejar mais do que honraria e proveito. Sinto-me hoje à vontade com todos, todos me cumprimentando, os que têm necessidade de ti vêm antes conversar comigo: para eles, o suecesso está assim garantido. E eu trocaria isto por aquilo? Jamais tive gosto por tal idéia. E tampouco aceitaria aliar-me a quem agisse assim. Se queres a prova, vai a Delfos e pergunta se te transmiti exatamente o oráculo. Se então puderes provar que conspirei com o adivinho, manda-me matar: não apenas tua voz me condenaria, mas nossas duas vozes, a tua e a minha. Não venhas porém, por uma simples suspeita, incriminar-me sem ter-me ouvido. Não é justo tomar levianamente os maus pelos bons, os bons pelos maus. Rejeitar um amigo leal é na verdade privar-se de uma parte da vida própria vida, isto é, daquilo que mais se preza. Mas é preciso tempo para compreender isso de maneira segura. Somente o tempo é capaz de mostrar um homem honesto, enquanto basta um dia para desmanchar um traidor.


Do livro do momento, "ÉDIPO-REI", de Sófocles.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

viver



"Há muitos lugares para serem vistos, muitas pessoas para serem conhecidas. Tudo isso estimula a gente, clareia a cabeça, refresca".

CFAbreu